Visto como pivô da mudança no programa de governo do PSB,
o pastor diz que as questões de costumes devem ser decididas
no Congresso e defende a alternância de poder
FELIPE PATURY E TERESA PEROSA
08/09/2014 17h40 - Atualizado em
08/09/2014 18h03
O líder evangélico Silas Malafaia é o
pastor brasileiro mais influente das redes sociais. Campeão de seguidores, ele
promove todos os dias o que chama de “tuitaços”. São quatro mensagens lançadas
ao meio-dia no Twitter. “Só boto bomba atômica.”
Por que adotou essa estratégia?
“Ninguém usa as redes sociais como os evangélicos.” Malafaia provou o que diz.
Na semana passada, usou o “tuitaço”
para condenar o programa de governo da presidenciável Marina Silva (PSB), que
defendia o casamento gay e a criminalização da homofobia. No dia seguinte,
Marina tirou esses pontos do programa. Agora, Malafaia diz que votará no Pastor
Everaldo (PSC) no primeiro turno e em Marina no segundo.
ÉPOCA
– O senhor condenou no Twitter a primeira versão do programa de Marina Silva,
que defendia o casamento gay e a punição da homofobia. Marina voltou atrás por
sua causa?
Silas
Malafaia
– Claro que não. Entender isso é simples. Nem Marina, nem (a presidente) Dilma
Rousseff, nem (o presidenciável tucano) Aécio Neves leram seus programas de
governo. Entregam o texto a equipes especializadas. O programa de Marina tinha
dois erros graves. A turma do LGBT (Lésbicas, Gays, Bi e Transgêneros),
intransigente e exagerada, ressuscitou o Projeto de Lei 122 (que criminalizava
a homofobia), já derrotado no Senado. Em relação ao ativismo gay, o programa de
Marina é mais avançado que o de Dilma, levando em conta que o governo do PT tem
financiado a causa gay. Estão reclamando de quê? Meus tuítes só acenderam a
lâmpada na equipe da Marina para mudar o que estava escrito. Mesmo assim, não
me agradou em tudo. Tem muitos pontos lá contrários à ideologia cristã.
ÉPOCA
– O recuo de Marina levou o senhor a apoiá-la?
Malafaia – Claro. Ela
teve coerência. Tem coisa que o candidato promete e não dá para fugir. Marina
disse uma coisa como isso: “Se for eleita presidente, não disputarei a
reeleição porque não quero estar no poder pensando na continuidade do poder.
Quero estar no Planalto para deixar um legado para as próximas gerações”.
Quando ouvi isso, pensei: essa serva está fazendo uma colocação extraordinária.
É uma declaração mais importante que a sobre o casamento gay. Marina não é
candidata dos evangélicos, é candidata do povo brasileiro, que está de
paciência esgotada com o PT e a corrupção deslavada. Ela interpreta essa
mudança. Não me venham com “evangeliquês” nem tentem colocar nela a pecha de
fanática, porque Marina contraria muita coisa que pastor evangélico pensa.
ÉPOCA
– Homofobia, casamento gay e aborto devem ser tratados nas eleições
presidenciais?
Malafaia – Devem ser
tratados no Congresso. Lá, onde os segmentos da sociedade se fazem representar,
é o lugar de discutir esses temas. Se os ativistas gays querem algum direito,
mandem seus representantes para o Parlamento. Não foram os evangélicos que
botaram essa agenda na campanha presidencial. Foram eles.
ÉPOCA
– Por que o senhor acredita que essas questões não devem fazer parte do debate
presidencial?
Malafaia – Um dos
maiores filósofos da atualidade, Michael Sandel, um doutor em Harvard que já
deu entrevista para ÉPOCA, diz que a moral, os princípios e as questões da fé
são fundamentais no debate político. Atenção: não é pastor que está falando
isso, não. É um dos maiores pensadores do nosso tempo. Esta eleição tem de ser
moral. Não vale tratar do maior escândalo de roubalheira da história do Brasil,
o mensalão? E a roubalheira na Petrobras? A corrupção é um câncer na sociedade.
A discussão tem de ser moral mesmo. Por que (a presidente) Dilma (Rousseff) e
(o ex-presidente Luiz Inácio) Lula (da Silva) nunca condenaram os mensaleiros,
que estão na prisão? Estão com medo de eles abrirem a boca e os colocarem na
roda?
>>
Michael Sandel: "A política precisa se abrir à religião"
ÉPOCA
– Onde o governo Dilma acertou e onde errou nas questões que interessam aos
evangélicos?
Malafaia – Dizer que o
PT só errou seria incoerência e imbecilidade. O PT acertou na ampliação dos
programas sociais. Mas o que seria do investimento social do PT se não houvesse
a estabilidade econômica? Podem chorar à vontade, mas esse foi ou não um mérito
de Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco (ex-presidentes)? A alternância de
poder é fundamental para o fortalecimento da democracia. O PT precisa perder a
eleição para o bem do Brasil.
ÉPOCA
– O que os evangélicos esperam do próximo governo?
Malafaia – O que está
na Bíblia: dias melhores para os brasileiros, que haja paz no país e nas casas,
que haja prosperidade. Sabe o que os evangélicos fazem? Aprendemos, com a
Bíblia, a orar pelos nossos governantes. Cada um vota em quem quiser. Em 2010,
votei em José Serra (PSDB) para presidente. Dilma venceu. Perdi a conta de
quantas orações fiz por ela na minha igreja. Quando o mandatário assume,
entendemos que é a vontade de Deus.
ÉPOCA
– O Pastor Everaldo (PSC), seu amigo, é candidato a presidente e pretendia
capturar o voto evangélico. Marina Silva, também evangélica, pode tomar-lhe
esse eleitorado?
Malafaia – Quando
Everaldo lançou sua candidatura, marcou 4% nas pesquisas eleitorais. Pensávamos
que, se os líderes evangélicos se engajassem na campanha, Everaldo chegaria a
10% e teríamos uma agenda no segundo turno. A lamentável morte de Eduardo
Campos mudou o panorama. Marina também é evangélica e tem um histórico político
no Brasil. Everaldo, não. O trator da Marina passou por tudo. Passou por
Everaldo, Aécio e Dilma. Everaldo sofreu mais com isso, por causa do voto
evangélico.
ÉPOCA
– Há líderes evangélicos que apoiam o Pastor Everaldo. Outros estão com Marina
Silva, Dilma Rousseff ou Aécio Neves. Por que esse segmento é tão fragmentado?
Malafaia – Isso mostra
que os evangélicos não têm unanimidade em pensamento político. Cada um é livre
para fazer suas escolhas. Por isso, sempre fui contra a criação de um partido
evangélico. Baixo o bambu quando alguém vem com essa ideia. Temos de estar em
tudo que é partido. Mas não tenho dúvidas: Marina levará de 80% a 90% do voto
evangélico. A candidatura dela, o acirramento da propaganda e as redes sociais
mudaram tudo. O evangélico tem interação social, porque vai à igreja pelo menos
uma vez por semana. Ninguém usa as redes sociais como os evangélicos, e somos
entre 25% e 27% da população. Somem a nós os católicos praticantes, também uns
25% a 27% e que, em muitos pontos, pensam igual. Já deu a maioria da população.
ÉPOCA
– Que presidenciável está mais preparado para atender às demandas evangélicas?
Malafaia – Em primeiro
lugar, Everaldo. Depois, Marina e Aécio. Dilma começou a falar agora, mas, no
Congresso Nacional, nos quatro anos de seu governo, o PT votou contra nossos
princípios. As demandas evangélicas são: casamento entre homem e mulher, proibição
do aborto, liberdade de religião e imprensa livre, mesmo falando mal de nós.
Não queremos impor ideologia. Queremos que o Brasil seja democrático, cresça,
crie emprego e prospere para todos.
"Ninguém
usa as redes sociais como os evangélicos, e somos entre 25% e 27% da
população"
ÉPOCA
– Dilma prometeu apressar a tramitação da Lei Geral das Religiões, que dá
benefícios fiscais às igrejas evangélicas.
Malafaia – Vou mandar
a Dilma uma caixa de óleo de peroba, porque uma garrafa só não dá. Ela pensa
que nós, evangélicos, somos idiotas e otários. Doze anos de PT... só agora essa
conversa? Na caneta, ela não pode decidir isso. Tem de ser o Congresso. É
hipocrisia eleitoral. Estão tão desesperados que prometem o que não podem
entregar.
ÉPOCA
– O senhor afirmou que o PT o ataca.
Malafaia – Em junho do
ano passado, fizemos uma manifestação em Brasília com 70 mil pessoas. Lá, eu
disse que o povo queria os mensaleiros na cadeia. Um mês depois, a Receita
Federal abriu fiscalização na igreja em que sou pastor e na Associação Vitória
em Cristo, entidade com que levanto recursos para obras sociais e programas de
TV. Coincidência? Em julho, os procedimentos foram encerrados. Não descobriram
nada, porque não sou ladrão nem bandido. Tem evangélico em todos os lugares. Um
passarinho me contou: a ordem veio de cima para me detonar e calar minha voz.
Eles têm medo de certa liderança que tenho entre os evangélicos.
ÉPOCA
– O senhor pretende se candidatar algum dia?
Malafaia – Nunca. O
que são partidos políticos? Partes da sociedade. Não sou de partes. Sou do
todo. Eu, que trabalho para Deus todo-poderoso, direi que Ele é um mau patrão
e, agora, serei empregado dos homens? Uma das coisas mais fantásticas do ser
humano é conhecer seus limites, reconhecer erros e corrigir rotas. Eu?
Político? Não fui chamado nem tenho competência para isso. Onde estou, falo com
todos, teço minha ideologia. Lá, seria só mais um.
FONTE: Época