18 de jul. de 2011

O cristão e a perda

Embora seja natural que ninguém deseje a perda, a Bíblia deixa transparecer a importância do discípulo de Cristo estar preparado para esse momento

As pessoas seduzidas pelo marketing gospel dos benefícios imediatos são verdadeiras sanguessugas (Pv. 30.15), que geram filhos Dá e Dá: Dá-me um carro; dá-me um apartamento. Por essa razão muitos vão à igreja querendo receber algo: uma bênção, uma vitória ou a concretização de uma promessa.

Esse tipo de postura é resultado de um enorme desconhecimento bíblico acerca do verdadeiro culto a Deus. Magno Paganelli lembra que a palavra “cultuar” não quer dizer “ir buscar algo de”. Ao contrário, “ela sugere a entrega que o homem faz ao seu Deus”. Paganelli ainda acrescenta:“Mas o que é que vemos nas igrejas? Pessoas que vão ao templo para resolverem seus problemas financeiros, de desemprego, de saúde, de ordem emocional e outras coisas. Vamos ao culto e alguns pastores nos incentivam a pedir, pedir, pedir. Decretar, decretar, decretar. Exigir, exigir e exigir.



O escritor finaliza: “Não é exagero afirmar que esse comportamento é anti bíblico. A igreja não é balcão de atendimento, os pastores não são atendentes e Deus não é devedor a ninguém. Nós é que devemos a Ele todo o nosso louvor, adoração, gratidão”.

Forma-se na mente desses crentes aquilo que J. B. Philips denominou de Deus da barganha: “São aquelas pessoas que encaram a religião como se fosse uma barganha, uma troca de benefícios: comprometem-se a obedecer algumas regras, e em contrapartida Deus cuidará delas e dos seus interesses, com toda a lealdade”.

O perigo é que esse pensamento prepara o cristão somente para o ganho, mas não para a perda. Cristãos formados com os olhos voltados para o ganho financeiro/material mantém a fé inabalável somente até a primeira adversidade. Quando o vento bate à porta eles logo devolvem suas credenciais e voltam de onde saíram: o mundo.

Embora seja natural que ninguém deseje a perda, a Bíblia deixa transparecer a importância do discípulo de Cristo estar preparado para esse momento. Eis aí a grande diferença entre o discípulo conhecedor do Bíblia e o consumidor espiritual: o discípulo encara a perda como uma oportunidade para provar a sua fé; o consumidor espiritual vê a perda como uma desculpa para abandoná-la, porque não funcionou.

O pragmatismo desconsidera o fato de que Deus em algumas ocasiões usa a perda com o objetivo de nos instruir. Nancy Pearcey afirma que “quer o sofrimento seja físico, quer seja psicológico, o método que Deus usa para vermos em que estamos fundamentando nossas vidas é a perda. Quando perdemos a saúde, ou a família, ou o trabalho, ou a reputação, e a vida desmorona e nos sentimos perdidos e vazios, é quando percebemos o quanto nosso senso de propósito e identidade estava de fato ligado a essas coisas. É por isso que temos estar dispostos a permitir que Ele tire essas coisas de nós. Temos de estar ‘dispostos a morrer’”.

O apóstolo Paulo era especialista em perda. Talvez por isso mesmo testemunhou mais do que qualquer outra pessoa no Novo Testamento os cuidados de Deus nos momentos de dificuldades. Em sua segunda epístola à igreja de Corinto ele apresenta uma não pequena lista de alguns momentos de perdas em sua jornada como cristão. Ele escreve: “... em trabalhos, muito mais; em açoites, mais do que eles; em prisões, muito mais; em perigo de morte, muitas vezes. Recebi dos judeus cinco quarentenas de açoites menos um. Três vezes fui açoitado com varas, uma vez fui apedrejado, três vezes sofri naufrágio, uma noite e um dia passei no abismo; Em viagens muitas vezes, em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos dos da minha nação, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre os falsos irmãos; Em trabalhos e fadiga, em vigílias muitas vezes, em fome e sede, em jejum muitas vezes, em frio e nudez”. (II Co. 11:23-2).

Se seguisse o curso natural e previsível da sua vida o apóstolo dos gentios certamente não precisaria passar por tudo isso, e muito menos perder a sua promissora e conceituada carreira como homem da lei da seita dos fariseus. Contudo, ao escrever aos filipenses ele explica:“Mas o que era para mim era ganho reputei-o perda por Cristo; e, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como escória, para que possa ganhar a Cristo” (Fp. 3.7,8). Paulo tinha essa postura porque para ele a vida com Cristo era o verdadeiro lucro, tanto é assim que em outra oportunidade ele afirmou: Porque para mim o morrer é Cristo e o viver é ganho.

Outro exemplo que me vem à memória de pessoa que experimentou comunhão com Deus através da perda é Richard Wurmbrand. Richard foi o pastor evangélico que passou quatorze anos como prisioneiro dos comunistas, torturado em sua própria terra natal, a Romênia. Em 1945, quando os comunistas tomaram o poder na Romênia e tentaram submeter as Igrejas aos seus propósitos, Richard Wurmbrand imediatamente deu início a um ministério “subterrâneo” – eficiente e vigoroso – destinado à pregação do Evangelho tanto a seus compatriotas escravizados quanto aos soldados russos que invadiram o país. Foi preso em 1948, com sua esposa, Sabina, que cumpriu pena de trabalhos forçados por três anos, no Canal do Danúbio.

O Pastor Richard ficou três anos na solitária, sem ver ninguém, a não ser seus torturadores comunistas. Depois foi transferido para uma cela comum, onde as torturas continuaram por mais cinco anos.

Devido a sua posição internacional como líder cristão, diplomatas de embaixadas estrangeiras questionaram o governo comunista acerca da segurança de Wurmbrand, dizendo que ele fugira da Romênia. Agentes da polícia secreta, fingindo-se de ex-companheiros de prisão, disseram a Sabina terem assistido ao funeral de seu marido no cemitério da prisão. Recomendaram à família na Romênia e aos amigos de outros países que o esquecessem, porque já estava morto.
Algumas passagens de seu livro, Torturado por amor a Cristo, nos fazem ter uma pequena dimensão do que ele passou:

“Crentes eram pendurados em cordas de cabeça para baixo e açoitados tão severamente que seus corpos balançavam de um lado para o outro sob a força das pancadas.

Eram colocados em celas que eram tão frias que se formava uma camada de gelo na parte interna.

Eu próprio fui jogado em uma dessas celas, com bem pouca roupa.

Médicos da prisão observavam-nos através de uma abertura, até verem sintomas de morte por congelamento.
Nesse ponto davam sinal e os guardas nos tiravam e então éramos aquecidos.

Quando já estávamos adquirindo calor, éramos imediatamente colocados de novo nas celas congeladoras e isto repetidamente.

Descongelar e depois congelar até um ou dois minutos antes da morte, e então congelar novamente.

Isso continuava indefinidamente. Até hoje algumas vezes não suporto abrir um refrigerador.”

Mas, ele não estava sozinho:

"Um pastor, chamado Florescu, foi torturado com atiçadores de ferro em brasa, e com facas. Foi açoitado horrivelmente. Ratos famintos eram introduzidos em sua cela através de um cano grosso. Ele não podia dormir, pois tinha de se defender o tempo todo. Se descansasse um só momento, os ratos o atacariam.
Foi forçado a ficar de pé por duas semanas, dia e noite. Os comunistas queriam forçá-lo a trair seus irmãos, porém não o conseguiram. Por fim trouxeram seu filho de14 anos e começaram a açoitá-lo na presença do pai, dizendo que continuariam a bater até que o pastor dissesse o que eles queriam. O homem, coitado, Já estava quase louco. Suportou até onde pôde. Por fim, gritou para o filho: "Alexandre, tenho de dizer o que eles querem! Não posso mais suportar o que lhe estão fazendo!" O filho respondeu:"Papai, não me faça a injustiça de ter um traidor por pai! Resista! Se me matarem, morrerei com as palavras “Jesus é minha terra natal!”A fúria dos comunistas caiu sobre o menino, em quem bateram até matá-lo, vendo-se manchas do seu sangue pelas paredes da cela”. Morreu louvando a Deus. Nosso querido irmão Florescu nunca mais foi o mesmo, depois do que presenciou.”

Quando perguntavam a Richard como ele conseguiu resistir à lavagem cerebral, ele respondeu: “Há apenas um método de resistência a ela. É a "lavagem do coração". Se o coração estiver purificado pelo amor de Jesus Cristo e se O ama, pode-se resistir a toda e qualquer tortura.”

Após oito anos e meio de prisão, ele foi libertado e imediatamente retomou seu trabalho com a Igreja Subterrânea. Dois anos depois, em 1959, ele foi preso mais uma vez, e sentenciado a vinte e cinco anos de prisão. Por fim, foi libertado quando de uma anistia geral ocorrida em 1964, e novamente continuou seu ministério clandestino.

Conclui-se que somente sabe lidar com a perda a pessoa que a encara como uma lição para sua vida, e percebe que a sua própria capacidade não tem valor algum sem a ajuda de Deus. Somente sabe lidar com ela quem realmente se colocou em posição de completa dependência a Deus e aceita a sua providência nos momentos mais escassos e escuros da vida. Isso porque, a perda nos mostra como somos frágeis e carentes do poder divino.

Assim, é possível dizer que na equação bíblica quanto mais o cristão perde, mais ele se aproxima de Deus. Ao contrário disso, o evangelho triunfalista mede o nível espiritual de alguém pela distância dele em relação à perda. Quanto mais afastado das perdas; mais abençoado.

Pr. Valmir Nascimento
fonte: CPAD News